Cada
vez mais se fala sobre a construção de ciclovias e sobre a
necessidade de incentivos para o aumento da utilização da bicicleta
como meio de transporte do dia a dia (communting). A maior
parte das reivindicações e campanhas, em particular as
desenvolvidas por associações ligadas à promoção do uso da
bicicleta, são extremamente interessantes, embora em muitos casos
infelizmente passem despercebidas por parte das entidades com poder
legislativo e regulador.
O caso das ciclovias que
têm vindo a surgir na cidade de Lisboa é um exemplo dessa
dessincronização com quem, de facto, utiliza a bicicleta no seu dia
a dia, já que grande parte das ciclovias que surgem é de carácter
maioritariamente recriativo e não de uso prático.
Este artigo pretende
analisar e ilustrar essa situação, tomando como exemplo a ciclovia
da Avenida do Colégio Militar para o uso não recreativo.
1 –
Ciclovia única com dois sentidos de tráfego.
A colocação de uma
ciclovia única com dois sentidos de circulação é bastante prática
para passear, mas extremamente ingrata para a utilização de
commuting. Como se pode
observar na fotografia, a ciclovia, em vez de acompanhar os sentidos
normais do escoamento de tráfego, vai efectuando um percurso
sinuoso, frequentemente interrompido por intersecções ou
obstáculos, bem como mudanças diversas entre um e outro lado da
rua. Verifica-se que a ciclovia termina abruptamente antes do final
do passeio, voltando a surgir novamente do outro lado da estrada,
para ser novamente interrompida sempre que a largura do passeio não
é suficiente para comportar a ciclovia e os 1,5m de largura mínima
regulamentar para circulação pedonal.
Isto
implica que, uma vez que não é possível, legalmente, circular de
bicicleta nos passeios, qualquer ciclista que circule na ciclovia
vê-se na obrigação de desmontar e levar a bicicleta pela mão até
ter de novo um percurso dedicado. O lancil do passeio sem
rebaixamento na zona da ciclovia reforça esta situação. De acordo
com as correctas políticas de mobilidade urbana, propõe-se que a
circulação automóvel não seja linear ou directa, obrigando os
condutores a dar diversas voltas para chegar ao seu destino, uma vez
que se pretende que a utilização do automóvel nos espaços urbanos
seja para situações excepcionais e não como regra, simultaneamente
permitindo às bicicletas e peões efectuar o percurso mais directo
ao seu destino, através da inexistência de sentidos proibidos e com
condições favoráveis a uma fácil circulação. No caso da Avenida
do Colégio Militar, verifica-se precisamente o contrário,
resultando daí que a circulação automóvel e de bicicletas se
efectua de forma totalmente oposta às políticas de mobilidade
urbana desejáveis.
2 – Ciclovia com perdas de prioridade.
Aqui
a ciclovia desenvolve-se ao longo do eixo viário, tendo uma
separação física da circulação automóvel para garantir a
segurança dos ciclistas. No entanto, como se pode observar na
imagem, a ciclovia perde prioridade através de marcação de stop no
pavimento a cada três metros de distância. Esta perda de prioridade
deve-se à existência de diversas entradas de garagens dos prédios
adjacentes. Assim sendo, temos uma situação de perda de prioridade
de veículos em circulação para acessos privados de estacionamento,
algo que contraria todas as regras de boa circulação e, diria
mesmo, de bom senso. Nesta situação, um ciclista que circule na
estrada sem ser na ciclovia, algo que por enquanto ainda é
permitido, não perde a prioridade para outro veículo que queira
entrar ou que venha a sair de uma garagem privada, enquanto que se
circular na ciclovia terá obrigatoriamente de parar caso se encontre
na mesma situação.
Relativamente
à protecção física, na forma de um lancil entre a ciclovia e a
estrada, a mesma é bastante eficaz na garantia de segurança dos
ciclistas e funciona perfeitamente em situações de tráfego
reduzido. No entanto, em caso de tráfego regular a intenso de
bicicletas, que é o principal objectivo das ciclovias urbanas, estes
lancis tornam-se perigosos, porque a sua altura é superior à
distância do pedal ao chão, na sua posição mais baixa. Esta
solução obriga os ciclistas a circular no centro da faixa, não
permitindo a circulação de bicicletas a diferentes velocidades,
para evitar o risco de colisão com o lancil.
3 – Ciclovia no passeio
A existência de um pavimento mais regular e confortável do que a calçada, que constitúi o típico pavimento das zonas pedonais em Lisboa, é um convite aberto à sua utilização pelos peões, potenciando situações de conflito entre circulação pedonal e circulação de bicicletas. Como se pode observar pela imagem de baixo, o facto de a ciclovia se situar fora do passeio e rebaixada acentua o carácter de via dedicada a ciclistas, sendo que a sua utilização por parte dos peões é francamente mais reduzida do que na solução da imagem de cima. Ambas as imagens ilustram a situação referida no ponto 1 de mudança de lados da ciclovia, desenvolvendo-se alguns troços do lado poente da avenida e outros do lado nascente da mesma, obrigando os ciclistas a atravessamentos desnecessários das faixas de circulação automóvel, com a perda de tempo e o aumento de potenciais situações de colisão que isso implica para quem circula de bicicleta no seu dia a dia.
4 – Rebaixamento da ciclovia
O
rebaixamento da circulação pedonal e de ciclovias para o nível das
faixas de circulação automóvel cria uma hierarquização de
prioridades a favor do automóvel, mesmo quando existe uma marcação
de cedência de prioridade, como neste caso, onde a mesma se faz
através de uma passadeira.
Este
tipo de solução, embora tente criar direitos aos peões, na verdade
não deixa de pôr a enfase na importância do automóvel, uma vez
que obriga os peões e ciclistas a colocarem-se no espaço de
circulação dos automóveis.
A
solução mais adoptada nas cidades onde se pretende uma correcta
mobilidade urbana é a de manutenção da cota e tipo de piso do
passeio nas intersecções, marcando claramente a posição de que um
automóvel que queira cruzar esse espaço terá de circular sobre uma
área pedonal, saindo do seu espaço de circulação. Uma passadeira
ao nível da estrada não tem o mesmo impacto de um passeio que
partilha circulação automóvel, em que os condutores sentem que
estão fora do seu ambiente e em que os peões estão no seu espaço
normal de circulação.
5 –
Cor do pavimento da ciclovia
A cor
do pavimento da ciclovia é, como se pode observar pelas imagens,
algo bastante discutível e existem diversas opções. Se em
Amesterdão o vermelho é a cor preferencial, em Nova Iorque e
Sevilha o verde é predominante, e em Copenhaga é frequente
depararmo-nos com cruzamentos ladeados por faixas em azul. Quanto a
Londres, qualquer uma destas imagens podia ter sido tirada lá.
Se
temos tendência para associar o vermelho à cor das ciclovias, tal
deve-se ao facto de ser essa a cor das ciclovias nos Países Baixos,
país pioneiro deste tipo de infraestruturas. É uma cor que se
destaca bem relativamente às faixas de circulação automóvel,
maioritariamente em alcatrão, e que coloca o condutor em alerta, uma
vez que é uma cor que se assococia a perigo ou cautela. No entanto,
e exactamente pela mesma razão, creio (e aqui trata-se de uma
opinião pessoal) não ser a cor mais indicada. Uma das principais
razões para existirem baixas taxas de utilização de bicicletas
como meio de transporte em cidades sem este tipo de infraestruturas é
a segurança ou, neste caso, a falta dela. Se se pretende estimular a
confiança de novos ciclistas para circular nas estradas, todas as
ajudas são benvindas, pelo que a utilização de cores que não
associemos a perigo talvez sejam mais indicadas.
De
facto, as cores mais adoptadas pelas cidades que recentemente
começaram a apostar neste tipo de infraestruturas são o verde e o
azul, sendo que, pessoalmente, considero o azul a cor mais indicada,
uma vez que, para além de oferecer um bom destaque relativamente ao
alcatrão, é precisamente a cor associada a vias prioritárias.
Observações
finais:
Como
ficou demonstrado, para um utilizador da bicicleta como meio de
transporte para o dia a dia a ciclovia da Avenida do Colégio Militar
não é uma opção prática, o que implica que o utilizador tenderá
a utilizar as faixas de circulação como se não existisse ciclovia.
Desta forma, a existência da ciclovia, em vez de ser uma mais valia,
torna-se algo não desejável, uma vez que ao existir provoca nos
automobilistas uma maior intolerância para com os ciclistas que não
circulem na ciclovia. Tal prende-se com o facto de os automobilistas
sentirem que, ao existir uma faixa dedicada à circulação de
bicicletas, os ciclistas não têm o direito de circular fora dela,
situação que será agravada caso se mantenha a proposta do governo
de obrigatoriedade de circulação das bicicletas nas ciclovias, em
caso de existirem as mesmas.
Assim,
e infelizmente, a ciclovia da Avenida do Colégio Militar é uma
infraestrutura interessante para efeitos recreativos mas, nos moldes
em que está elaborada, torna-se contraproducente para o incentivo da
utilização da bicicleta para commuting,
sendo uma boa notícia uma vez que a criação de ciclovias para o
efeito de commuting
pode ser mais simples e menos honorosa do que a criação de
ciclovias com estas características.
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